Futebol Estudado entrevista: Tim Vieira!

Esta revista quer ir um pouco mais além da
emoção no futebol, dos cartões amarelos e
vermelhos. Gostei muito de ver a sua academia
e da sua referência à aprendizagem holística. O
que quer dizer com o termo holístico? E para
onde acha que a educação está a caminhar?

Eu vejo a educação a andar muito devagarinho
para a frente. Eu acho que nos últimos 200 anos
andámos…nada, para dizer a verdade. FIcámos
parádos no tempo. Foi uma educação que foi
precisa pois tivemos a “Industrial Revolution”
[Revolução Industrial]. Foi preciso a gente ensinar
daquela maneira, mas agora necessitamos de
mudar o nosso “plano de jogo”. Precisamos de um
plano de jogo que muda com os tempos, como o
futebol mudou. Se olharmos a como jogamos hoje,
é diferente de como jogávamos no passadoté há
leis diferentes que existiam no tempo antigo e
temos tecnologia diferente daquilo que existia
naquele tempo. Naquele tempo havia
basicamente bandeiras nas linhas laterais e um
apito. Hoje em dia temos o VAR, muito mais
tecnologia, a maneira como treinamos é diferente,
a maneira para chegar ao topo é diferente e
obviamente quem treina,
E é um bocadinho aquilo que a gente está a fazer
aqui com a brave generation academy, queremos
dar mais oportunidades a mais pessoas. Mas
queremos dar oportunidades a sério, que são feitas para o tempo de hoje.
Então, para fazer isso acontecer, precisamos do
nosso VAR. Através de tecnologia que permite dar
aulas mais individualizadas a crianças, que podem
escolher canais que lhes interessam e ir à
velocidade delas. Isso são coisas que não podiamos
fazer no passado, mas agora podemos. Temos o
conhecimento (e qualquer futebolista também
tem que ter conhecimento, como são as regras,
como se joga, etc.) e damos um curriculum
internacional. Podemos ser mais versáteis a dar
aquilo que são as habilidades, que no futebol é o
cabeceamento, o livre [cobrança de falta], o
penálti, o canto [escanteio], todas aquelas coisas
que é preciso trabalhar, que as crianças querem
trabalhar. Pode ser música, deporto, aprenderem
algo de alguém. Como no futebol podem aprender
com um jogador mais velho, eles aqui podem ir
passar tempo a fazer observação de um veterinário
ou um arquitecto. E depois queremos aprender
isso tudo e dar valor à nossa comunidade, que faz
parte de uma grande equipa, como no futebol.
Estão lá adeptos e pessoas a dar o seu tempo e paixão para fazer as coisas acontecer.

Aqui é um bocadinho o mesmo. Os nossos “Coaches
Desportivos” vêm da comunidade, da música. Nós
vamos e fazemos trabalhos na comunidade, para
educar e abrir oportunidades para o futuro. Em vez
de estarmos a fazer isso com professores, a gente
prefer chamar-lhes “learning coaches”. Como no
futebol, um coach, às vezes não ensina só futebol,
mas ensina muito mais da vida. E a grande
vantagem de um bom coach não é ensinar as leis e
como ter habilidades, muitas vezes é dar
motivação, atitude e ensinar que se pode ganhar e
superar obstáculos na vida. Isso é um pouco o que
os nosso learning coaches fazem, são
inspiracionais. Temos lá pessoas que se conseguem
identificar com as crianças. Normalmente têm 25 a
28 anos, são pessoas que sabem de apps, que
sabem do que está a acontecer na música, nos
filmes. Encontram facilmente pontos em comum e
depois têm aquela coisa de poderem motivar os
nosso estudantes para fazerem experiências, O
mesmo acontece no futebol, a gente vê que o
melhor é quando a gente começa a ter
experiências e habilidades e não só habilidades
sem experiência. É um bocadinho isso que eles
começam a fazer, começam a dar experiências
boas, más, todas elas constroem o indivíduo, aqui
também fazemos isso e depois começam a ter
resultados muito melhores.
Depois, as coisas pequenas que a gente pode fazer
no “nosso clube” faz a gente mais fortes. E na nossa
Brave Generation Academy é a gente não ter férias
em Julho e Agosto, mas podermos ir de férias
quando quisermos. Podermos fazer um exame
duas vezes, até três vezes por ano em vez de ser
uma vez por ano e assim tiramos a ansiedade, a
depressão. Isso era a mesma coisa que eu dizer “os
teus jogadores chegaram à final e perderam 2-1.

Mas se eles chegassem à final e sabiam que
perderam 2-1 mas podiam jogar mais um segundo
jogo ou até terceiro, eles iam estar com menos
ansiedade e se calhar iam jogar melhor e ter
resultados melhores. É um bocadinho isso que nós
fazemos aqui. E também começamos a dar
responsabilidade, como tu dás ao teu avançado, ao
teu defesa e ao teu guarda-redes, a gente começa
a dar aos nosso estudantes e diz-lhes: “olha, tu
sabes qual é o teu trabalho, durante a semana tens
que fazer este trabalho e na segunda-feira a gente
vai ver se fizeste”. E começam a ficar mais
responsáveis pelas suas próprias vidas. E depois
também usamos peer to peer [entre pares] que é
positivo, a gente pensa sempre que pode ser
negativo, mas não. A gente vê crianças que já
sabem…que já têm paixões ou propósito na vida, a
ajudar aqueles que não têm. É um bocadinho,
outra vez, como a tua equipa. Pode ser alguém que
já ganhou uma copa uma vez, a ajudar aqueles
que vão jogar pela primeira vez e pô-los mais
calmos e a perceberem o que é realmente
importante. Então é um bocadinho isso, estamos
no jogo da vida, como vocês jogam o jogo do
futebol. E o jogo da vida, também tem um tempo,
os noventa minuto. Cada coisa que fizeste nos
minutos passados vão afetar os minutos para a
frente. Como trabalhas com os teus companheiros
de equipa, como tens pensamento crítico,
liderança, vai afetar a tua vida. Nós trazemos isso
para as experiências que damos às nossas criancas,
é muito importante. A trabalhares no futebol
também sabes que as vezes os problemas até
podem ser os pais que estão a querer viver pelas
crianças. Nós também temos isso, há crianças que
os pais querem que vão para a universidade e fazer
isto e aquilo. Muitos sim, também querem fazer
isso, mas há outros que não querem. Então trabalhamos as crianças de forma diferente
dependendo do que eles querem. Tentamos
mudar a maneira de fazer escola para uma a
maneira de fazer vida. E fazer vida não começa aos
18, aos 12 já é muito importante tu começares a
fazer o que queres para a tua vida. Porque depois
chegas aos 18 e se vais para uma Universidade boa,
já tens mais responsabilidade, já sabes trabalhar, já
te sabes motivar por ti próprio, já sabes muitas
coisas por ti mesmo. Se fores para um trabalho, já
sabes trabalhar em equipa, pensamento crítico,
inovador, resolução de problemas, todas as coisas
de que nós precisamos mesmo. Ética, valores, tudo
aquilo que tu também precisas no teu futebol, no
campo. Nós damos, damos essas coisas. E eu acho
que é isso que faz a BGA diferente. Eu acho que
também é o nome, brave [corajoso] é mesmo
sobre nós. Termos que ter mais bravura a ir para o
futuro. E tu sabes, se tiveres uma equipa onde não
tiveres lideres, não vais ganhar nada. Mas se tiveres
uma equipa que acredita porque tem um lider
que acredita, que consegue ter bravura, até ao
minuto noventa estão vivos no jogo. E se houver
mais dez minutos de tempo extra estão lá, muitas
vezes conseguem fazer coisas incríveis, mágicas,
por causa disso. E é isso que a gente acredita aqui,
conseguimos fazer coisas muito mais mágicas na
educação do que aquilo que existe de momento,
Por exemplo, ia haver um jogo de futebol, ia haver
pessoas que jogavam com as botas com ferros por
baixo, tinham roupa que não deixava suar bem,
não estavam treinadas, bebiam antes do jogo, isso
é a educação tradicional. Mas se vêm jogadores
que têm botas que estão feitas para a ocasião,
estão treinados, sabem, é um pouco o que é o
novo. E é isso que é a BGA. Nós queremos dar a
possibilidade de marcar golos na vida, de ter
sucesso e de puder trabalhar com outras pessoas que têm a mesma mentalidade. E isso é muito,
muito importante.

É um pouco o que o professor Ken Robinson
disse, que as escolas matam a criatividade,
vocês querem estimular essa criatividade. A
ecologia da situação é o que tentamos fazer
agora no treino, mais recente, era como a
revolução industrial onde se ensinavam
habilidades em separado para depois aplicar
nas fábricas. Nós já é mais criar problemas em
contextos de jogo e depois deixar os jogadores
resolverem esses problemas dentro do
exercício, encontrar várias respostas, mas
numa forma de descoberta guiada.

Não são todos que são o Messi, mas há muita
gente que tem habilidades. 80% dos futebolistas
todos têm grandes habilidades. Agora, quando a
gente os treina só para usar as habilidades e não
há pensamento criativo, estão todos a jogar com a
mesma vantagem, mas também é a mesma
desvantagem. Quando nós conseguimos ter
habilidades como uma vantagem e pensamento
criativo como mais uma vantagem, um e um dá
dois, não dá um mais zero. Eu acho que é essa a
diferença. Quando pensamos na educação
tradicional, penso que quem se lembra melhor das
coisas é quem ouve melhor a professora, mesmo
que não tenha muitas preguntas mas se consegue
lembrar das respostas. Precisamos de pessoas que
obviamente sabem os básicos, mas que
conseguem acrescentar valor e isso normalmente
são pessoas que querem saber mais. E o que te
estou a dizer é que com a tecnologia que temos
hoje, não é preciso tanto a gente lembrar-se de
coisas, mas saber como fazer coisas, como encontrar e pensar soluções, ou usar aquelas
coisas básicas que, muitas vezes, já estão à nossa
volta e não nos precisamos de lembrar delas.
Temos google, calculadoras, muitas coisas, e a
educação deveria focalizar-se em como é que nós
trabalhamos uns com os outros, como fazemos as
coisas acontecer por estarmos a pensar com a
mesma mentalidade e aceditar, pensar grande,
etc. Como é que nós vamos ter mais éticas, é parte
da educação, porque estamos a perder muitas
delas. Nós antes passávamos tempo com os avós e
isso era “old school” bom, mas nós perdemos
muito dessas coisas e precisamos de começar a
dar de novo resposabilidade e dar essas coisas aos
nosso estudantes. O Ken Robinson disse várias
coisas mas é sempre necessário executar, porque
eu posso dizer que o Elon Musk também disse que
“pôr o homem em Marte é mais fácil do que
mudar as escolas no mundo”. Agora como fazer
acontecer? E é isso que é importante. Estamos
muito na zona de conforto. É como quando uma
equipa que está a ganhar, fica confortável, não
muda as coisas e depois de um ano para o outro
perde com equipas que nunca devia perder. Se a
gente tinha pensado há um ou dois anos atrás,
Barcelona, Real Madrid, Manchester United,
estavam confortáveis, eram os melhores. Agora não
estão. E depois como é que a gente se prepara
para essas coisas quando vêm, essas mudanças. E
aí é que temos que executar. Porque quando
estamos confortáveis fazemos muito poucas coisas
para andar para a frente. Quando não estamos
confortáveis é quando estamos a tomar as maiores
decisões para mudar o futuro. Vemos em tudo, em
muitos desportos, em fórmula 1, em motos, ontem
ganhou a Aprilia pela primeira vez de sempre,
obviamente eles não estavam confortáveis e tiveram que mudar e fazer coisas acontecer. É isso
que é importante. Hoje em dia o mundo tem
mudanças muito rápidas e nós ainda estamos a
fazer cursos para aprender em quatro anos, coisas
que mudam em um. Não funciona. Com a brave
[generation academy] buscamos como podemos
trazer muito mais valor à educação do que o
sistema que temos de momento, que funciona,
mas é confortável e seria muito melhor termos um
que fosse menos confortável, mas que ia preparar
as nossas crianças para o futuro. Eles têm muitos
problemas para resolver, que nós fizemos e se
pensarmos que nós fizemos a mesma escola e
agora querem que eles resolvam os problemas que
nós criámos com a mesma escola deles, há um
problema aqui.

Para finalizar, uma última pergunta. Para onde
é que você pensa que está a caminhar a
educação dos futuros líderes do futebol? Como
o futebol é parte da vida, então, os futuros
líderes do mundo? É baseada nessa
adaptabilidade de que está a falar?

O que eu posso dizer é que nós temos que
começar com uma educação mais baseada em
exemplos. No futebol é mesmo preciso exemplos
positivos para afetar o que vem por trás. Porque
nós vemos as crianças e o exemplo da educação
falha nos pais, que muitas vezes estão lá ao lado a
gritar e a dizer palavrões. As crianças quando
começam as ver os mais velhos a dizer coisas aos
árbitros, eles dizem também. Começa da
liderança, do topo. Então precisamos de crianças
que vão perceber que, pelo exemplo, podemos
fazer a diferença. E quando começarem a morrer os dinaussauros e eles começarem a ter poder,
começarão a mostrar pelo exemplo, E pelo
exemplo nós podemos mudar muita coisa. Eu
acho que também temos de mostrar a todas as
pessoas, estudantes, jogadores de futebol, que há
balanço na vida. Que no fim do mundo não apenas
existe o futebol e que se correr mal há mais vida.
Olhamos para grandes jogadores que também
tiveram vida além do futebol, que são exemplos de
depois de jogar fazerem coisas boas, de serem
líderes, excelente. É esse o balanço de que
precisamos um bocado na vida. E falta muito,
porque não falamos disso, falamos de quantos
golos marcou, mas não falamos do quão
equilibrado ele é na vida e se é boa pessoa, se é
um exemplo. E as vezes quando um jogador é um
bocado um exemplo, fala-se de que ele não está a
marcar golos e não é 100% justo. Nós precisamos
de melhores humanos, não apenas melhores
futebolistas. Porque melhores humanos vão
melhorar tudo. Pode-se ter o melhor jogador do
mundo, mas se ele é um idiota, é muito difícil que
inspire a equipa, que inspire pessoas. Alguns
podem, mas é um em dez milhões, é muito raro, e
não estamos à espera desse um só. É isso que eu quero dizer aqui, precisamos de exemplos, de
pessoas que pensam mesmo em serem
equilibradas, com isso vamos ter pessoas mais
felizes até. Há muitos futebolistas que depois de
acabarem a carreira ficam deprimidos, ou perdem
tudo, ou pensavam que tinham amigos que não
tinham. E se conseguimos fazê-los entender que é
parte da vida só…é como na escola tradicional, só
queremos sobreviver dos 12 aos 18, não! Isso é parte
da vida. Temos que gozar esse tempo, é a mesma
coisas no futebol. Temos que aproveitar esse
tempo antes, durante e depois do futebol. É um
pouco o que eu vejo aqui importante

O futebol é uma atividade humana. Como diz o
professor Manuel Sérgio, se você não conhecer
a pessoa que chuta, você nunca vai perceber o
chuto. Muito obrigado pelo seu tempo Tim!

O link para a revista digital: https://www.revistafutebolestudado.com/revistas/revista4

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