“Temos muita gente a comer porque não está a pagar outras coisas”

Tim Vieira é entrevistado pelo “Novo Semanário” na Coluna Valor. Acompanhe a entrevista aqui e aceda ao link para a revista digital

Fez parte do painel do programa “Lago dos Tubarões”. Portugal é um país de empreendedores? 

  • Sim. Até com condições difíceis, com muitas regulações e com muitas dificuldades, principalmente em termos de burocracia, temos muitos empreendedores que conseguem ter sucesso. Também temos casos em que sobreviver já é, em si, ter sucesso. 

Somos muito burocráticos… 

  • Sim, devíamos ser muito menos. 

A nossa carga fiscal traz prejuízo na hora de atrair investimento? 

  • Sim. Às vezes, queremos pagar melhores salários às pessoas e não conseguimos. Assim, obviamente, é difícil atrair talento. A carga fiscal é bem dura. No caso das startups, que levam dois ou três anos até facturarem, torna-se complicado. Depois, é o tempo e a burocracia que temos. Às vezes, só abrir contas em bancos ou tratar de um papel ou esperar por um projecto leva muito tempo. Acontece os nossos business plans serem de dois anos e, no fim, levam quatro. 

Por causa do sistema… 

  • Exactamente. Muitas vezes, não é culpa dos nossos empreendedores. Até acontece, em alguns casos, perderem o interesse e deixarem o país. Já vimos a história de tantos portugueses que lá fora conseguem ter sucesso… É o mesmo português, é o mesmo talento. 

Portugal acaba por afastar talento? 

  • Portugal está confortável a dizer que o melhor é o lifestyle, a comida, as pessoas e o sol. Isso é muito bom, mas precisamos de ter mais do que isso. Precisamos de ter o sangue a fluir e de deixar as nossas empresas e as pessoas com talento terem sucesso. 

Não somos um país muito amigo do sucesso e das empresas… 

  • Sim. Com a pandemia, há muitas empresas e sectores que estão a sofrer. São sectores e empresas de pessoas que já contribuíram muito para este país, quando estava bem. Agora, não acho que estejam muito contentes com a forma como estão a ser tratadas. Temos de ajudar essas empresas a sobreviver para, quando isto melhorar, elas conseguirem crescer outra vez e pagar os seus impostos. Caso contrário, vamos sair disto a pensar que vamos pôr ainda mais impostos e complicar mais as vidas das empresas para pagarmos essas bazucas, dívidas que estamos a fazer e salários de políticos

Temos vindo a melhorar?

  • Vi que temos mais um unicórnio cá, mas não sei se isso quer dizer alguma coisa. Ainda ouço falar em salários mínimos quando já devíamos estar a falar em aumentar o salário médio. Se calhar, até podemos dizer que os salários médios estão a aumentar, mas porque despedimos muita gente que recebia o mínimo. No que vejo do povo, não acho que Portugal esteja a melhorar muito. Por exemplo, os nossos jovens continuam a aprender coisas obsoletas. Estamos a ficar para trás. Devíamos pensar onde estamos e o que tem de ser feito.

O “Lago dos Tubarões” ajudou o país a despertar para o empreendedorismo? 

  • Sim. Portugal estava dentro de outra crise – aqui, é sempre de crise em crise –, mas era diferente. Não temos um sector financeiro pronto para ajudar as pequenas e médias empresas. Muitas vezes, é mais fácil ir ao banco pedir empréstimos para um apartamento ou para um carro do que para um negócio. 

Somos um país onde se estimula mais o consumo do que a criação de riqueza…

  • Somos um país que gosta de estar confortável. O banco já não quer mais arriscar porque tem medo do que pode acontecer. Mas, por isso, também nunca vamos liderar. Acho que temos empreendedores que querem experimentar, mas é muito difícil. Estão sempre a nadar porque, se pararem, afogam-se. 

Só os resilientes podem ser empresários em Portugal?

  • Sim, é preciso ser muito resiliente. Muitas vezes, até vemos casos de empresários menos honestos que, no fim, conseguiram coisas por esquemas e de forma, se calhar, um bocadinho menos honesta. Usaram fundos de bancos e outros que podiam estar a ajudar essas empresas mais pequenas, que fazem 85% desse mercado, a empregar e pagar impostos. 

É uma questão estrutural… 

  • Sim, é. Temos de perceber como vamos voltar a confiar num plano para o país que traga uma realidade melhor aos meus filhos, aos seus e a todos. É a hora de nos perguntarmos se Portugal está a melhorar. Está? Não sei. Podíamos ser muito melhores no que fazemos. Estamos a perder oportunidades e elas não aparecem todos os dias. 

A pandemia só veio expor mais as nossas fragilidades? 

  • Acima de tudo, gostava que tivesse havido mais estabilidade e linhas mais claras. Podíamos ter arranjado uma forma de colocar as empresas, de forma segura, como parte da solução. Mas fizeram de nós o inimigo. Os líderes estavam pouco preocupados em cometer poucos erros. Temos de começar a perceber que há coisas que vão estar sempre fora do nosso controlo. 

Devíamos ter tido menos política e mais estratégia, para o bem comum? 

  • Sim, e temos de começar a executar, porque outro problema que temos é ter sempre muitos planos mas, depois, não fazemos nada. Devemos ter muitas salas cheias de papel, e não é disso que precisamos. Precisamos de ter o plano que vai começar a criar riqueza para todos. Quem trabalha no Estado tem de pensar que se calhar, um dia, os filhos não vão estar a trabalhar para o Estado. Como é que eles vão ter uma vida melhor? Como é que eles vão ter uma educação melhor? 

Há dificuldade em perceber que as empresas criam riqueza?

  • Para mim, não há dúvida, e acho que não devia haver para ninguém. As empresas e o talento criam riqueza. 

Os apoios comunitários vão chegar mais tarde ao sector privado, temos a questão das moratórias… 

  • Os empresários estão a sobreviver e, só por isso, já são grandes empresários. Esta é a verdade. Por exemplo, a situação das moratórias devia ter tido um plano. Não se pode fechar a torneira de um dia para o outro. Agora, ainda temos muita gente a comer porque não está a pagar outras coisas. Quando tiverem de voltar a pagar, como é que vão comer? Como vai reagir o mercado? Devíamos estar agora a investir em empresas que vão empregar pessoas no futuro. Não estou muito interessado em mais estradas quando precisamos é de mais oportunidades. 

É um self-made man. Isso ainda existe nos tempos que correm? Há meritocracia? 

  • Quando as pessoas têm talento conseguem fazer grandes coisas. Só precisam que as deixem fazer. A nível mundial, é muito mais fácil. Há pessoas aqui a tentar fazer coisas que já são tecnologia avançada com leis que são do passado. A pessoa tem de acreditar numa ideia, e não contar as horas que vai trabalhar ou as lágrimas que vai chorar ou as noites que não vai dormir. Vale a pena no fim. O bicho está dentro dos portugueses. Temos este ADN. Somos bons a trabalhar e não temos medo de nada. Não podemos é ter tanta desvantagem, não pode ser tão difícil. É isso que vai fazer a diferença. Trabalhar para o sucesso põe-nos a olhar para a frente. O que nos falta é ter mais fome de sucesso. Sucesso traz sucesso.

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